Ensaio sobre a inteligência
Inteligente mesmo seria esperar um pouco mais para tentar falar sobre este tema, talvez alguns séculos ou até mesmo milênios, pois para que a discussão faça sentido, é necessário que exista experiência vivenciada sobre o proposto. Até o presente momento, na metade da segunda década do século XXI, a humanidade só conhece a teoria lógica da existência da inteligência. Os pouquíssimos que conseguiram viver de fato a experiência, não foram notados, pois nos faltou a própria para percebê-los.
Por tanto só posso discutir sobre a ideia que possuímos hoje, e como pode ser que estejamos completamente enganados, isto acabaria se tornando uma questão semântica que me faria mudar o título deste texto para, Ensaio sobre o ensaio da inteligência.
Haverá um momento que o conhecimento será igual para todos, inerente em todos os sentido, e as relações interpessoais serão completamente diferentes com as quais estamos acostumados. Dizem que o conhecimento nos libertará, nos transformará.
Apenas por tentar imaginar algo do tipo, perco meu raciocínio, ora comparando com o que penso ser a evolução que acreditam os espíritas, ora prevendo um cenário de relacionamentos tão lógicos e perfeitos que não seremos nada mais que máquinas. E quando essas duas vertentes de pensamento se combinam, o vislumbre dessas possibilidades quase me deixa catatônico.
Voltemos então para essa nossa idealização da inteligência, onde somos completamente fruto do nosso tempo e nossas escolhas são completamente egoístas. Sim! Todas as decisões que tomamos, em última instância são para beneficio próprio e caso você perceba e aceite esse fato, não se desespere, pois novamente é uma questão semântica já que todos somos assim e ninguém se importa. Quando fazemos alguma coisa em prol de alguém, o retorno é sempre a auto satisfação, nos casos em que existe o conhecimento da boa ação pela parte beneficiada, teremos de volta o agradecimento e quando a bem feitoria for incógnita estaremos satisfeitos por saber que foi a coisa certa a se fazer. Se existe algum tipo de ação onde você não tem nenhum tipo de benefício ou satisfação, você não faz, caso contrário é masoquismo e no masoquismo existe o prazer, portanto satisfação.
Logo, como não fazemos nada que não seja para nos satisfazer, ao longo da vida teremos muitas situações de conflito, que nos farão tomar decisões que não serão inteligentes do ponto de vista global do convívio social, alguém sempre sairá perdendo, mesmo que seja do outro lado do mundo.
É tão lugar comum dizer, cada escolha uma renúncia, que vou tratar a questão pelo viés da seleção, que no final das contas dará no mesmo. Selecionar escolhas, decisões, atitudes, reações, de maneira que nos satisfaça, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, com o melhor custo benefício tendo como base o conhecimento de que somos frutos do nosso tempo; É invariavelmente segregar!
Selecionamos e automaticamente segregamos, mesmo que sem querer, é inevitável! Sobre a parte que foi deixada de lado acabamos por não ter profundo conhecimento, restando apenas conjecturas de um ponto de vista distorcido e gerador de preconceitos.
Quanto menos contato com o que foi segregado mais o preconceito se instaura, conjecturas se toram certezas que não contestamos, até chegar ao ponto onde de se tornarem verdades absolutas. Por que contestar verdades absolutas? Por serem incontestáveis esquecemos que essas verdades foram criadas a partir de um determinado ponto de vista e quando nos deparamos com contestadores, é ativado o mecanismo de defesa lógica, o repúdio.
Hoje esse tipo de repúdio que é comumente tratado como preconceito, e sua manifestação ou falta de questionamento sobre a possibilidade de haver outro ponto de vista, é um sinal de que inteligência não existe, existe a teoria sobre a inteligência por isso conseguimos assimilar quando fazemos algo que podemos adjetivar como inteligente, porém a percepção da inteligência é uma consequência e não exatamente uma qualidade que nos define, mesmo porque egoísmo e inteligência são absolutamente incompatíveis.
Por mais que você questione ou aceite diversos pontos de vista, naturalmente haverá algum tipo seleção o afastará do conhecimento profundo sobre algo, assim gerando o preconceito, isso sempre será uma constante. Estaremos mais perto de sermos inteligentes quando existir a humildade em admitir que não existem verdades absolutas, aceitando que em algum ponto de vista qualquer coisa pode parecer normal.
Isso me assusta um pouco pois me lembra novamente dos seres humanos máquinas, frios, capazes de calcular qualquer possibilidade ou quando não entender o contexto, não fazer nenhum pré-julgamento.
Outra vez, não consigo imaginar como seria o certo e o errado quando houver inteligência. Considerando os elementos atuais para esta equação, a inteligência tende ao bem estar coletivo, se elevada à extrema potência o resultado pode anular o sentido da existência como conhecemos. Por isso acho que faltam elementos na equação, então antes de atingir o resultado final, precisamos tentar entender o que conseguimos obter como melhores resultados com o que temos hoje, mesmo fazendo diversos exercícios existe um limite até onde eu consigo abstrair.
A identificação de qualquer fator que esteja fora das nossas seleções, pode servir como alerta de que existe uma falta de conhecimento e a partir daí admitir que podem existir outros pontos de vista.
Quero propor um exercício em que através da apresentação de diversos pontos de vista, enxerguemos com naturalidade uma situação de relacionamento, que acredito que se apresentada agora, seria fortemente repudiada pelo nosso preconceito.
Como ponto de partida gostaria de expor que o tema é, consolidação de um relacionamento iniciado a distância, mais especificamente do tipo em que as pessoas não se conhecem fisicamente durante um período, até que estejam seguras para o próximo estágio.
Antes de a internet ser uma coisa popular, esse tipo de relacionamento acontecia por carta e com uma distância considerável entre os envolvidos, certamente os familiares não entendiam e repudiavam esse tipo de conduta. Como seria possível se apaixonar por alguém que não está perto, não se conhece direito, não se tem certeza da veracidade das afirmações, como isso pode dar certo?
O conhecimento intimo do conteúdo das cartas era o suficiente para que aquelas pessoas tivessem um relacionamento, indo contra tudo e contra todos. As complicações de distância existiam, mas não eram o fator determinante para que não desse certo. Pessoas eram capazes de se apaixonar por conteúdos presos pela tinta no papel.
Para que desse certo fisicamente, era necessário apostar que tudo que fosse desconhecido e pudesse desagradar, seria suprimido por tudo que já se conhecia de bom. Traduzindo em miúdos uma suspensão de preconceitos. Se desse errado significava que as conjecturas feitas sobre o que podia ser, não atingiram as expectativas.
Durante muito tempo, as pessoas que se relacionavam dessa maneira sofriam repúdios de preconceitos em maior ou menos escala, mas sempre sofriam. As coisas foram evoluindo e a minha geração vivenciou o inicio de relacionamentos online, as pessoas se conheciam em salas de bate-papo, depois continuavam se comunicando via mensagens de texto, até decidirem se encontrar. Novamente quem estava de fora sempre questionava, mas como você vai encontrar essa pessoa, você nem sabe quem ela é, e se for um ladrão?
Eu pessoalmente conheço pessoas que se casaram e estão juntas há mais de 10 anos que se conheceram dessa maneira. Elas também foram vítimas de preconceito.
Depois vieram sites especializados em relacionamentos e hoje estamos na era dos aplicativos para smartphones que são capazes de iniciar relacionamentos quando duas pessoas “curtem” a foto uma da outra.
Nesse último caso, eu mesmo exerci preconceito no inicio, mas rapidamente ao me lembrar dos casos anteriores consegui perceber que o aplicativo é apenas a evolução para as pessoas se introduzirem, se o relacionamento vai dar certo ou não, depende de quanto os envolvidos estão dispostos a aceitar ao outro, o que acaba sendo a base de qualquer relacionamento.
Existem relatos de pessoas que iniciaram relacionamentos online com sistemas de “inteligência artificial” e se envolveram afetivamente sem saberem que estavam conversando com sistemas, maquinas. Eu não consigo atestar a veracidade desses relatos, mas acredito que se não foram verdadeiros agora, logo logo serão, esses tipos de sistemas evoluirão e acho que algum dia eles terão algo muito próximo ao que chamamos de consciência, mesmo que demore centenas de anos.
Lembram que eu disse que somos todos egoístas, as pessoas projetam suas expectativas sobre conceitos, e são capazes de se apaixonar por eles, então basta que alguém apresente os conceitos certos que as lacunas serão preenchidas e romances podem surgir daí.
Isso dá margem para que manipuladores consigam, vantagens sobre pessoas, que por conta de alguma vulnerabilidade acabam por agir de maneira descuidada. Existem vários casos de pessoas que enviam dinheiro para seus pares românticos e no final das contas estavam sendo enganadas.
Em todos esses casos as pessoas se apaixonaram por suas projeções sobre conceitos apresentados, conceitos esses que quando se concretizaram atendendo as expectativas se tornaram em relacionamentos, hoje aceitamos com naturalidade, mas que em algum momento sofreram preconceitos.
Se concordarmos com a afirmação acima poderemos prosseguir com o exercício, que precisará de um pouco mais de dedicação, para não julgarmos antes de conhecer os pontos de vista.
Existem diversos níveis em que as pessoas conseguem se relacionar socialmente, algumas pessoas precisam fazer um grande esforço para sequer sair à rua, e quando entendemos a condição dessas pessoas, nos solidarizamos, pois entendemos que a única maneira que elas poderão se socializar é utilizando de recursos que tragam algum tipo de afirmação, que gere segurança para tanto.
Algumas precisam fazer aula de dança, algumas precisam fazer psicoterapia, outras precisam se expor de maneira explicita, são tantas as variações, que podemos afirmar que todos nós temos ferramentas desse tipo em algum tipo de gradação.
Existem homens presos em corpos de mulher, mulheres que nasceram no corpo com o gênero errado, homens que precisam apenas se vestirem como mulher para se sentirem completos.
Existem pessoas tão inseguras que nem sequer cogitam ter um relacionamento afetivo, e entender como essas pessoas sofrem nos sensibiliza, mas só ficamos solidários quando entendemos seu sofrimento. Caso contrário, fatalmente exerceremos nosso preconceito.
Agora imaginem o quão insegura ou que necessidade especial uma pessoa pode ter para chegar ao ponto de estabelecer um relacionamento afetivo com bonecos hiper-realistas.
Pois é, existe! Tenho certeza que mesmo com todo essa preparação, a maioria das pessoas que lerem este texto, não conseguiriam aceitar como normal caso conhecessem uma pessoa que admitisse ter um relacionamento afetivo com um boneco ou boneca. Sabendo disso, as pessoas que escolhem esse tipo de relacionamento, nunca irão se expor para a sociedade. Ninguém está nem aí para tentar ver o ponto de vista do outro, as pessoas apenas iriam julgar e executar seu repúdio.
Eu preciso tentar achar algum ponto de vista que sensibilize vocês, para que se coloquem pelo menos na posição de cogitar que a pessoa pode fazer o que quiser, para aí, quem sabe, talvez, irem exercitando a suspensão do preconceito até chegar ao ponto de nada seja bizarro e as pessoas possam fazer qualquer escolha.
Imagine um rapaz, uma pessoa de bem, que inicia um relacionamento com uma pessoa legal e está feliz, porém seus relacionamentos sempre acabaram após a primeira transa, esse rapaz possui um micro pênis, e infelizmente todos seus relacionamentos acabaram, alguns de maneira constrangedora, outros nem tanto, mas todos acabaram pelo mesmo motivo, o rapaz sexualmente ativo e por azar com grande libido, cansou de se constranger. Será que talvez assim você cogitaria?
Não tente ver o ponto de vista do rapaz, tente ser o rapaz.
Com certeza é mais fácil entender o Frank Underwood ou o Walter White. Só que com certeza o rapaz é o mais normal analisando os três casos. Mas qual dos casos nós temos coragem de falar em público que entendemos? Isso porque nos consideramos seres inteligentes.
Também existem pessoas que não fazem questão de se relacionar com as pessoas fisicamente. Não levantarei se existe preconceito sobre isso ou não, pois isso está acontecendo mais rápido do que podemos processar, talvez por isso nem consigamos exercer preconceito. Nesses casos eu acredito que não faria muita diferença se o relacionamento virtual fosse com pessoas ou entre humano e maquinas conscientes, pois a interação seria exatamente a mesma.
Agora que conseguimos ver vários pontos de vista, vamos concluir o exercício.
Uma pessoa ser enganada por uma “inteligência artificial” e se apaixonar por ela, pode acontecer, tudo bem.
Entendemos que as pessoas se relacionam diferentemente na sociedade, algumas delas não conseguem sem se utilizar de ferramentas.
Podem existir situações tão extremas que algumas pessoas podem optar se relacionar com algo que não seja capaz de julgar, nunca, mesmo que sejam bonecos hiper-realistas ou inteligências artificiais.
Eu lhes pergunto:
Num futuro, mesmo que distante, você acharia normal uma pessoa amar um robô humanoide inteligente consciente?
Eu espero que sejamos inteligentes o suficiente para dizer que sim!
Isto significaria que num futuro não tão distante quanto o dos amores entre humanos e robôs, nós conseguiremos olhar as diferenças de hoje com normalidade sabendo que existem outras opções e realidades diferentes que não nos compete exercer julgamento, talvez neste momento estaremos próximos à ser seres inteligentes.
Que não sejamos monstros capazes de criar inteligência e consciência artificial para depois oprimir quem as possuir.
P.S.: Já imaginou que algum dia nós seremos capazes de transferir nossa consciência para alguma tecnologia que nos permita ultrapassar as barreiras do corpo mortal?