05/10/2015

Corredor Polonês

 Telefone

Telefone

Por: Alex Nunes

A pressa é uma merda, não fosse essa rotina com selo fordismo de regularidade, evitaria este caminho.

Hoje gostaria de usar o intervalo do trajeto para fazer uma ligação, daquelas despretensiosas apenas para mostrar que me importo ou esbanjar pensando na vida, mas a massa sonora vibrando no meu peito me impede de ouvir meus próprios pensamentos.

A cada dez passos as músicas se fundem, como eles conseguem suportar?
Amaldiçoou os inventores dos gravadores de CDs.

Não é possível que todos eles, assim grudados consigam vender se quer para se sustentar, 3 por 10 é um bom apelo, os outros números nem tanto, durante todo o caminho percebo não mais que 4 pessoas do lado dos que compram, e um número pelo menos 5 vezes maior do lado dos que vendem.

Sinto outra vibração, é o celular dentro da bolsa. Celular, nunca me acostumo com esse nome, me remete a biologia e não a algo eletrônico, uma pequena barra preta com quinze teclas e uma tela de cristal liquido que agora deve estar piscando com uma luz verde.

Nem adianta tentar atender, não ouviria nada mesmo.
Talvez olhar quem está chamando, não, só me deixaria mais ansiosa.

Parece brincadeira, mas aqui o sinal está cheio.

Mais alguns metros e sentirei vontade de parar por um instante, já consigo ver daqui as capas dos livros que sempre penso em perguntar o preço.

Minha raiva das outras barracas é tanta que se os livros fossem de graça eu não pararia.

Em algum momento da vida alguém ou você mesmo questionou como deve ser o inferno, certo? Muito bem, eu tenho uma versão que o próprio diabo sentiria inveja.

Com certeza teria cheiro de acarajé frito num azeite de dendê reutilizado por tantas vezes que sua consistência seria ectoplásmica, feitos em barracas gigantes de lonas azuis estufadas como balões pela fumaça da fritura, defumando milhares de coitados até não aguentarem mais a fase das náuseas e finalmente o fluxo natural atingir a todos em ciclos eternos.

Aos poucos começo a distinguir outros sons, meus ouvidos vão se acostumando com os agressivos ruídos da estação do metrô república, neste momento soam como harpas me devolvendo a sanidade.

Me arrependo de não ter parado em uma das barracas de livros, uma leitura agora me distrairia, já que não consigo mais remoer o ontem sem achar uma solução para daqui a pouco, me pergunto se algum dia existirá sinal de celular nos túneis do metro, penso no jogo da cobrinha, mas aí eu saberia quem ligou, se for quem eu espero não poderei fazer nada, se não for pior ainda.

Um pedaço da minha saia está do lado de fora da porta do trem, vai ser uma merda sentir o pano molhado até chegar em casa, mas se ela ainda estiver lá, nada disso terá importância, se não estiver? Acarajé!